Por que fazemos o que fazemos?
( Rachel Añón é sócia fundadora da ponteAponte )
Tendências para o setor de impacto em 2025
Janeiro 2025
Publicação da
Empreender é um verbo que carrega em si uma jornada. Ele não está apenas relacionado a uma forma de trabalho, mas a uma atitude frente a vida e aos outros. Ao empreender com visão para o social ou socioambiental ampliamos a capacidade de transformação positiva não apenas do mundo, mas para dentro de nós mesmos. Parto desta premissa para tentar responder a pergunta que abre a nossa conversa aqui nesse espaço privilegiado. Embora seja a pessoa que gosta de caminhar pelas (eternas) interrogações, meu olhar de repórter permanece aguçado e, ao mesmo tempo, desperto para um outro papel que amplia meu ofício para uma atuação ainda mais presente nas questões de meu tempo. Assim busco compartilhar um pouco das minhas descobertas nesta jornada de empreendedora e, acima de tudo ativista.
O ativismo, em sua essência, é a prática de defender uma causa ou promover mudanças socioambientais por meio de ações concretas. Uma pessoa ativista é aquela que se dedica a fazer a diferença, seja em sua comunidade, país ou para o planeta em uma ou mais causas que tocam a sua alma seja meio ambiente, educação, saúde, justiça social, direitos humanos ou dos animais. Qual seja aquela que nos movimenta, ela torna-se parte integrante da vida, do nosso jeito de ser e estar na sociedade.
Trago o ativismo aqui como o passo seguinte ao do propósito do empreendedor socioambiental. Para Mark Zuckerberg, presidente da Meta , propósito é o “senso de pertencimento a algo superior a nós mesmos, pelo qual devemos trabalhar para um futuro melhor”, criando a “verdadeira felicidade”. Uma grande questão para o empreendedor socioambiental, por exemplo, é como criar negócios e organizações com as melhores intenções e práticas tendo de enfrentar desafios cada vez mais complexos, tentando equilibrar as contas para pagar e se manter ativo em um cenário de incertezas que se multiplicam e ameaçam em todas as dimensões da vida?
Levanta a mão aqui quem não anda se sentindo angustiada e, muitas vezes, perplexa com as incoerências que permeiam o nosso fazer? Corremos atrás o tempo todo, que anda cada vez mais acelerado, entregamos o máximo de vida às causas multiplicando ideias e intenções, e depois de cada etapa da jornada regada a suor, insônia, lágrimas, sonhos para , ao final, nos depararmos com a sensação de que a nossa contribuição para aquilo que escolhemos combater parece não ter movimentado os ponteiros, enquanto surgem demandas e mais demandas. Sim, o trabalho de mudar o mundo não vai acabar nunca. Não há recompensa, prêmio ou podium ao final, porque não tem final. A recompensa está no próprio fazer.
Ainda para quem tem um negócio ou organização comprometidos com o impacto social e ambiental, independentemente do tipo de contrato social, temos um desafio extra de nos mantermos financeiramente sustentável, porém sem comprometer nossos valores e objetivos mais elevados.
Por isso trago a provocação do ativismo como ativo do core business das nossas iniciativas. De alguma forma, consciente ou inconscientemente, as ações ativistas estão presentes em tempo integral, permeando as nossas tomadas de decisões, das mais simples até aquelas super estratégicas que podem influenciar políticas públicas e esferas governamentais.
Habitando o ecossistema de impacto há 13 anos, a ponteAponte é considerada uma organização desenvolvedora que qualifica o investimento social e filantropia. No entanto considero que o meu fazer consiste em “sustentar os ativismos” daqueles que escolhem abraçar suas causas de forma tão inteira. São pessoas e grupos que “fazem o que fazem” por estarem comprometidos em dar o seu melhor e se desenvolverem profissionalmente e como ser humano todos os dias, de mente e coração. “Sustentar ativismos” como gestão é criar uma retaguarda para aqueles que sabem o que precisa ser feito e querem aportar experiências potencializadoras.
Talvez a palavra ativismo pode ter causado algum incômodo por estar associado uma abordagem combativa e de confronto, que não corresponde a intencionalidade de um negócio ou empreendimento de impacto social. Então, quero aproveitar para apresentar duas pessoas que estão ampliando a minha visão do campo socioambiental.
ATIVISMO DELICADO
Há dois anos, tenho a felicidade de estudar Allan Kaplan e Sue Davidoff, fundadores da Proteus Initiative, na África do Sul. Kaplan, foi um renomado consultor de desenvolvimento organizacional nos anos 80, e junto com sua esposa tornaram-se pioneiros da Prática Social Reflexiva como uma tentativa de perceber as consequências da verdadeira participação, da complexidade social e ecológica e de uma nova forma de uma nova forma de pensar e agir no campo social. No começo do ano, lançaram no Brasil a revisão do livro Ativismo Delicado (Bambual Editora), que propõe uma postura mais sutil, atenta e consciente, buscando transformar a realidade a partir de dentro.
Ao invés de gerar resistências e conflitos, como experenciamos todos em nossos empreendimentos, a promoção de um ativismo delicado tende a ser mais eficaz e eficiente para mudanças sociais genuínas, mais sustentáveis e duradoras por serem construídas de forma colaborativa e participativa, promovendo bem-estar tanto dos empreendedores socioambientais quanto das pessoas com quem eles trabalham e, o mais importante ao meu ver, a transformação pessoal e o nosso desenvolvimento enquanto indivíduos em ação no mundo.
Quando comecei a compreender que o trabalho da minha consultoria estava em mutação tanto quanto as organizações (ou organismos) ao meu redor, pude fazer a pergunta: por que fazemos o que fazemos? É daqui que volto sobre o empreender como uma atitude de vida e uma jornada de autoconhecimento.
Fazemos o que fazemos porque temos algum grau de consciência que nos permite identificar as dinâmicas de poder, as desigualdades e as injustiças de forma mais profunda e abrangente. Nossas história e experiências pessoais são valorizadas como fontes de conhecimento e inspiração e nos coloca como agentes das transformações aptos para contribuir com a sociedade como um todo.
No entanto, o convite que recebemos agora é o da delicadeza: ao invés de impor minhas ideias e soluções, podemos estabelecer um diálogo mais genuíno com as pessoas, ouvindo suas perspectivas e buscando construir pontes, com mais empatia e colocando-se no lugar do outro para compreender suas necessidades e construir relações de confiança.
Acredito que dessa forma, estaremos mais aptas para que os nossos empreendimentos estejam mais aptos a atuarem de forma interconectada para atravessarmos os próximos tempos e construir o mundo mais justo, inclusivo e sustentável que sonhamos coletivamente.
Rachel Añón é sócia fundadora da ponteAponte.