* Daniel Martins de Barros é professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, Doutor em Ciências e Bacharel em Filosofia pela USP
Atualmente conhecida como burnout, ao contrário do que muita gente imagina a exaustão em função do trabalho não é uma doença. Em 2019, a OMS veio a público esclarecer o mal entendido, publicando uma explicação em que dizia que o burnout não é classificado como uma condição médica. É descrito no capítulo: ‘fatores que influenciam o estado de saúde ou o contato com serviços de saúde’ – que inclui razões pelas quais as pessoas contatam serviços de saúde, mas que não são classificadas como doenças ou condições de saúde”.
Trata-se de uma parte importante da CID(Código Internacional de Doenças)-11, pois lista fatores que predispõe ao adoecimento: do sedentarismo à falta de acesso a educação, de carência de moradia a relações disfuncionais com cônjuges. Na esfera do trabalho, figuram os problemas ligados ao emprego e desemprego, como mudança de trabalho, ameaça de demissão e burnout. Fica evidente que são fatores de adoecimento, mas não doenças em si.
O sucesso do diagnóstico, sua aceitação pelo público e a enorme disseminação do conceito nos últimos anos mostram, contudo, que nós estávamos ávidos por nomear o sofrimento que vemos dia após dia ocorrer no mundo do trabalho. As pessoas esgotadas encontram no diagnóstico uma explicação para seu estado, que passam a ver como legítimo. A partir daí torna-se difícil esclarecer que burnout não é – a rigor – uma doença, pois tentativas de fazê-lo soam como desqualificação de um sofrimento real. Como se, do ponto de vista leigo, ou bem é uma doença ou então não existe. *
É importantíssimo identificarmos, como sociedade, situações que recorrente e frequentemente levam as pessoas a estados de sofrimento a ponto de depletar sua energia. Trata-se de uma questão humanitária intervir para modificar tais contextos. Mas confundir sofrimento com adoecimento pode nos fazer perpetuar o problema ao nos levar a buscar soluções nos lugares errados.
* Nosso organismo pode de fato se ver exaurido em diversas situações que nada têm a ver com trabalho: num relacionamento tóxico, num ambiente hostil, em função de exclusão social – diversas situações podem provocar “sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia”, “sentimentos de negativismo ou cinismo” e “sensação de ineficácia e falta de realização”, critérios da CID-11 para definir burnout. Mas essas reações ao estresse, com sintomas idênticos e as mesmas repercussões no organismo não são chamadas de burnout se o problema não for profissional. Entendemos então que o problema é real mesmo não sendo um diagnóstico. Agora, quando o estresse vem do trabalho, o mesmo quadro passa a ser doença? Não faz sentido. É como se uma fratura causada por uma martelada fosse diferente da mesma fratura causada por uma tijolada.