“Sem dúvidas as redes sociais hoje são uns dos maiores vícios que o ser humano tem… elas estão roubando a vida de muita gente”
Por Fernanda Neves ( ES BRASIL )
Para o especialista em produtividade pessoal e empresarial Christian Barbosa, uma vida próspera passa necessariamente pela utilização racional e equilibrada deste recurso limitado chamado tempo. Sua metodologia já foi difundida para milhares de pessoas e empresas, nas centenas de palestras, cursos e consultorias que faz para todos os tipos de públicos. Confira a entrevista concedida com exclusividade à ES Brasil.
É um desejo comum das pessoas que um dia deveria ter mais horas?
Esse é o maior desejo da população [risos]. Ou melhor, é o segundo. O primeiro é ter mais dinheiro. Só que essa questão de mais tempo é muito relativa, porque, se essas pessoas realmente tivessem mais tempo, será que ele seria usado com inteligência? Esse é o ponto. Uma relação muito parecida com a do dinheiro.
Podemos até usar um exemplo simples. Um determinado profissional ganha R$ 1.000 de salário e vive falando que, se recebesse o triplo, a vida dele seria mais feliz, porque conseguiria adquirir certas coisas, pagar outras, não ficar com a “corda no pescoço” todo mês. Esse mesmo profissional acaba alcançando o rendimento que desejou por promoção ou novo emprego.
O “natural” seria que ficasse satisfeito por um período da vida, mas o que vejo no dia a dia não é isso. Em pouquíssimo tempo, às vezes no mês seguinte, a mesma pessoa volta a falar que, se ganhasse o dobro, triplo ou mesmo mais um pouquinho, viveria melhor, porque compraria outras coisas, pagaria outras contas, não ficaria com a “corda no pescoço”.
Então, o problema era mesmo a falta de dinheiro ou era o uso que se faz dele? Essa lógica é a mesma para o tempo. O uso do tempo é que realmente faz diferença na vida das pessoas.
Já temos uma geração que não vive, apenas sobrevive?
O problema com o tempo não é uma questão da nossa geração. Isso é milenar. Os egípcios, Henrique VIII e Leonardo da Vinci já questionavam o tempo de que dispomos para o que precisamos ou queremos fazer. O que a nossa geração não está conseguindo mesmo entender é que hoje existe uma tecnologia por trás dos nossos bens de consumo que acelerou o contato com vários tipos de interesse. Obviamente, esse contexto acaba virando um consumidor de tempo útil. Isso faz com que as pessoas vivam constantemente correndo, e toda essa correria faz com que elas realmente não vivam, apenas literalmente sobrevivam.
Esse fenômeno em que se vive correndo, então, não deve ser encarado como normal?
Correr o dia inteiro, todos os dias e por todos os motivos, não é normal. Se fosse normal, nós não sentiríamos tanto os impactos de uma corrida. Biologicamente, nós evoluímos para andar. Correr seria uma exceção como caçar ou para fugir do ataque de um predador. Existe uma vasta bibliografia sobre isso.
Santo Agostinho, filósofo icônico do século I, já fazia questionamentos sobre a falta de tempo. Qual a diferença entre a época dele e a nossa em termos de percepção de tempo?
Gosto de usar exemplos. Se a gente voltar só um pouco na história da humanidade, quando a imprensa foi inventada, as pessoas passavam horas consumindo aquele produto. Era uma novidade vinda da tecnologia. Essa mesma situação aconteceu quando o rádio e a televisão foram criados. E, de certa forma, muita gente ainda é muito impactada pelo consumo de programas de TV ou rádio ou gasta seu tempo lendo jornais e revistas. Isso tudo é fruto da tecnologia.
Hoje temos o incremento de outras tecnologias como a internet e os subprodutos que puderam existir com base nela. Então, sempre tivemos uma tecnologia que tem potencial de “roubar” nossa atenção. Não tenho certeza se há grandes diferenças da época de Santo Agostinho para agora, em termos de percepção de tempo. A hierarquização e a noção do que é importante talvez tenham sofrido algum prejuízo, e precisamos parar para reavaliar. É inerente ao ser humano entender a tecnologia do seu tempo, “proteger-se” dela para que ela se torne uma aliada da sua produtividade, e não uma ladra.
Os aplicativos de gestão de tarefas estão ajudando as pessoas a organizar o seu tempo?
Tem horas que a ferramenta é o que menos importa. Tem gente que gosta de aplicativo; outros, de site, de software instalado no computador. Há ainda quem adore uma agenda de papel ou quadro com lembretes coloridos. Sinceramente, a ferramenta não é fundamental. O que é fundamental é a maneira com a qual a pessoa utiliza essa ferramenta. Por isso é importante que as pessoas aprendam uma metodologia de produtividade.
O que eu ensino não é especificamente a usar uma agenda ou uma ferramenta específica. Eu evidencio quanto é precioso o tempo da pessoa e o que ela pode trazer em relação à qualidade de vida na ferramenta que ela se adaptar melhor. Ou seja, o método é que faz a diferença, não a ferramenta.
As redes sociais têm contribuído para falta de tempo ou perda de produtividade das pessoas?
Sem dúvidas as redes sociais hoje são uns dos maiores vícios do ser humano. É uma ferramenta positiva, porque, de certa forma, aproxima as pessoas, ainda que em ambiente virtual. Mas, ao mesmo tempo, elas estão roubando a vida de muita gente. Como todo vício.
E esse é o vício contemporâneo que está atrapalhando uma pessoa a ser realmente produtiva?
A melhor maneira para identificar se uma pessoa é produtiva ou não é analisar se ela apresenta resultados e, ao mesmo tempo, tem equilíbrio na vida que deseja ter. Não é aquela pessoa que trabalha duro, não é aquela pessoa que trabalha demais, não é aquela pessoa que ganha muito dinheiro. Ela apresenta resultado sem se matar e ainda tem seu tempo para o lazer, para cuidar da família, para exercitar seus hobbies e as outras coisas que realmente entende como fundamentais.
Uma pessoa produtiva enxerga seu ganha-pão como mais um elemento da vida que deseja para si. Digo isso para destacar que, se a pessoa gasta um grande tempo nas redes sociais de forma a não ter tempo para outras coisas, é necessário fazer uma avaliação.
É isso que eu quero mesmo para minha vida? Quero mesmo gastar um tempo que eu poderia estar cultivando um relacionamento de pai e filho, ou fazendo um curso, ou mesmo trabalhando focado no meu resultado, para tentar acompanhar o que está sendo postado nas redes sociais? As respostas a essas questões são decisivas para um comportamento produtivo.
Uma pessoa pode ser treinada a ser produtiva?
Com certeza. Podemos comparar a produtividade como a ida a uma academia de musculação para se exercitar. A produtividade em nada se difere desse princípio. Ninguém nasce produtivo. Pelo contrário, a nossa sociedade dá muitos estímulos para a improdutividade. A produtividade é uma atividade que qualquer pessoa pode aprender e praticar com objetivo de ganhar mais tempo de vida. Que sejam meia hora, uma hora, duas horas por dia. Isso vai depender muito do ritmo de cada pessoa. A produtividade é essencial para lidar com esse tempo maluco que querem nos inserir.
Em uma sociedade marcada pela busca por resultados rápidos ou em curtíssimo prazo, pode haver frustração ao iniciar um método para ser mais produtivo?
Isso pode acontecer, sim, mas todo processo de aprendizado é assim. O resultado do caminho da produtividade não chega da noite para o dia, demora um tempo para acontecer. Para ser bem objetivo, a gente vai ver os primeiros resultados entre a quarta e sétima semana. É um treino mesmo. Quando as pessoas aprendem o método, elas terão de mudar um pouco a rotina de como se organizam e se planejam. Realmente isso é difícil no começo. Mas os números da produtividade compensam qualquer fase ruim pela qual vá se passar.
É como uma reeducação alimentar. Sofre menos quem já tem uma alimentação mais regrada, sofre um pouco mais quem vive em descontrole total. E é a rotina que vai fazendo com que os hábitos alimentares sejam mudados. O primeiro passo, então, é entender que viver uma vida produtiva é ação de médio prazo, mas com ganhos diários. A segunda coisa é ter consciência de que o resultado virá por meio de um conjunto de fatores, que são a persistência, a metodologia, a ferramenta e, obviamente, o entendimento sobre o que se quer para a própria vida.
No mundo corporativo, termos como “urgente” foram vulgarizados? Estamos sabendo classificar as tarefas do dia a dia?
O que a gente vê hoje é que todo mundo faz uma “tempestade em copinho de café”, e as tarefas urgentes viram o dia a dia de uma empresa. Mas isso tem uma razão de ser. O urgente é valorizado no ambiente de trabalho. A urgência faz com que a pessoa tenha a sensação de estar sendo produtiva. E vale destacar que essa sensação é um grande engano. Eu diria até um mito empresarial. A urgência tem de ser tratada como uma exceção, e não como regra, porque a rotina sob pressão está matando as pessoas.
Vemos números estarrecedores de infartos, de depressão, de ansiedade em profissionais de todos os escalões das empresas, por terem sempre de lidar com o estresse das demandas urgentes para gerenciar. O pior: líderes “urgentes” acabam tendo equipes “urgentes”. Quando uma equipe não está envolvida em algo urgente para fazer, fica perdida, sem saber como usar seu tempo. Está errado. O líder tem a obrigação de ver isso. É fundamental fazer uma reflexão real em relação à prioridade das tarefas. O que está acontecendo é que o time dele vai ficando viciado em urgências, e nenhum vício é produtivo.
De todas as atitudes que temos no nosso dia a dia, qual a que mais rouba nossa energia para sermos produtivos?
Sem dúvida é a avaliação do que é urgente e do que é importante. Um dos aspectos muito interessantes sobre a urgência é que na maior parte das vezes ela é evitável. Eu diria que de 100 urgências em uma empresa, 70 poderiam ter sido evitadas. Agora, a tarefa importante que é negligenciada, que é deixada para última hora, que não tem um planejamento para a execução em um tempo adequado, vira a urgência. É necessário identificar esse ciclo e rompê-lo.
Por isso é necessário um processo de planejamento bem-feito?
Sim, e com margem para uma flexibilização. Por isso, gosto de fazer a diferenciação das palavras “escolha” e “decisão”. A primeira é mais adequada para o dia a dia. É como se fosse um “e”: eu faço A “e” B. Eu trabalho e busco meu filho na escola. Eu vou ao shopping e vou ao supermercado. Eu tenho opções. Já quando preciso tomar uma decisão, tenho de tirar uma coisa em detrimento de outro. É como se fosse o “ou”: eu faço A “ou” B. Quem tem tempo tem escolhas. Quem não tem tempo tem decisão.
No mundo corporativo é até mais fácil de identificar isso. Por exemplo, um profissional tem de apresentar um relatório na quarta-feira, e hoje é sexta-feira da semana anterior. Olha na agenda e pensa: dá para fazer na terça-feira devido à complexidade. Só que terça-feira houve um acidente no trânsito ou se sentiu mal, o que ocasionou em chegar com muito atraso à empresa ou até mesmo nem chegar.
E agora? E o relatório que não foi feito e precisa ser apresentado? Bom, algo precisou ser feito por ele ou por outra pessoa. Daí o profissional precisa tirar o tempo que teria para ir ao cinema ou ir à igreja para fazer a tarefa negligenciada do serviço e que não tinha como adiar. E isso é um círculo vicioso. Daí vêm a frustração, as brigas com a esposa, a ausência na vida dos filhos, o sedentarismo.
Se essa mesma pessoa tivesse começado a fazer antes, talvez até concluído na própria sexta-feira ou na segunda-feira, o atraso de terça-feira teria sido só uma situação administrável. O relatório para apresentar na quarta-feira já estaria feito e ainda teria dado tempo para cumprir os outros itens da agenda dele de forma a não gerar frustração para ninguém. É nesse sentido que falo de planejamento com flexibilidade. Quem tem escolhas consegue ter mais espontaneidade, flexibilidade e planejamento.
A matéria acima é uma republicação de edições anteriores de ES Brasil. Fatos, comentários e opiniões contidos no texto se referem à época em que a matéria foi escrita.