Já aconteceu com você de procurar algo por muito tempo e depois perceber que esse algo estava sempre diante de seus olhos, mas que você não tinha percebido?
Pode ser desde os seus óculos ou algo bem maior, como o amor da sua vida. Por não procurar direito, você pode acabar cego para algo que está bem na sua frente.
Isso, de acordo com um trabalho recente de dois astrobiólogos, talvez seja o que nos impede de resolver duas questões fundamentais: qual é a origem da vida e por que ainda não encontramos vida em nenhum outro lugar do universo.
Pode ser que as respostas estejam diante de nós, mas que as estamos procurando da maneira errada.
( editado de BBC News Mundo/Carlos Serrano )
Stuart Bartlett, um pesquisador de ciência planetária do Instituto de Tecnologia da Califórnia, e Michael Wong, do Laboratório de Exoplanetas da NASA, acreditam que, para encontrar essas respostas, talvez devêssemos mudar o conceito que temos de “vida”.
E, para isso, propõem uma nova palavra: “vyda” (uma tradução livre para lyfe, em inglês, para diferenciá-la da palavra “life”, que significa vida).
O que é o conceito de vyda e por que ele nos apresenta uma revolução existencial?
Definir o que queremos dizer com “vida” já é uma tarefa complexa, mas para fins práticos, a NASA usa a seguinte definição.
“A vida é um sistema químico autossuficiente com a capacidade de ter uma evolução darwiniana.”
Essa definição descreve todos os seres vivos do nosso planeta.
Apesar das diferenças, desde o menor microrganismo até o ser humano, todos consumimos energia de forma autônoma, a utilizamos por meio de processos químicos e carregamos RNA e DNA que armazenam informações e evoluem para se adaptar ao meio ambiente.
Essa é a única vida que conhecemos e, de acordo com Bartlett e Wong, é aí que está o problema.
“Temos apenas um exemplo do que é a vida”, disse Bartlett a BBC Mundo.
“Se nos focarmos apenas em sistemas que usam processos químicos, podemos perder outros exemplos de vida”, acrescenta ele.
A ideia de Bartlett é que estamos usando uma definição de vida muito restrita, impedindo-nos de ver outras formas de vida possíveis que podem ter sempre existido, mas que esquecemos.
Diante dessa visão limitada, Bartlett e Wong propõem o conceito de vyda.
A proposta de Bartlett e Wong é que qualquer sistema que atenda a essas quatro habilidades seja considerado vyvo:
*1-Dissipação: capturar e processar energia
*2-Autocatálise: crescer ou se expandir
*3-Homeostase: manter um equilíbrio interno quando as condições exteriores mudam
*4-Aprendizado: armazenar e processar informação e utilizá-la para aumentar suas possibilidades de sobrevivência
Sob essa ótica, “a vida, como a conhecemos, é apenas uma das maneiras de atender a esses quatro requisitos”, disse Wong a BBC Mundo.
Em outras palavras, a vida é apenas uma forma de vyda, mas pode haver muitas outras.
“O homem se encerrou em si mesmo, a ponto de ver todas as coisas através das estreitas fendas de sua caverna”, escreveu o poeta William Blake.
É isso que Bartlett e Wong querem mudar.
O conceito de vyda implica que talvez estejamos procurando sinais extraterrestres da maneira errada, presos em uma caverna mental.
Buscar vyda, em vez de apenas vida, pode trazer resultados mais frutíferos, dizem os astrobiólogos.
Bartlett se pergunta, por exemplo, por que presumimos que somos o tipo de vida que serve como modelo possivelmente universal.
“Isso ficará para trás quando descobrirmos outros exemplos de vida”, diz Bartlett.
As possibilidades são infinitas e nossa imaginação é insuficiente, mas como exemplo Bartlett menciona que talvez um dia encontremos seres que armazenam informações com algo que não seja o DNA, ou que realizam metabolismo com enzimas que não conhecemos na Terra.
“A vida extraterrestre terá formas que vão além de nossos sonhos mais selvagens”, diz Vackoch.
“Os alienígenas mais exóticos de Hollywood parecerão tediosamente previsíveis em comparação com as surpresas que encontraremos quando fizermos o primeiro contato com alienígenas reais.”
Essa ideia implica que talvez devêssemos redesenhar as missões e os equipamentos com os quais buscamos vida em outros planetas, como o robô Perseverance fará em Marte, por exemplo.
“Queremos que nossos instrumentos não sejam limitados pela concepção do que é a vida na Terra”, diz Wong.
“Queremos incentivar a buscarem sinais de vida que não se limitem ao nosso mundo.”
O sentido da vida (e da vyda)
E além da biologia e das missões espaciais, a proposta de Bartlett e Wong também carrega uma profunda questão existencial.
“Primeiro pensamos que éramos o centro do universo, depois dissemos: ok, podemos não ser o centro do universo, mas somos a melhor espécie na Terra e devemos ser o modelo de vida em outros lugares.”
O novo conceito que ele propõe, entretanto, rebaixa um pouco essas pretensões e nos diz que talvez nossa vida seja apenas uma no meio de um imenso grupo de formas de vyda.